Sendo um grupo voltado ao estudo e à prática vanguardista das técnicas e filosofias da magia, os Iluminados de Thanateros sempre tiveram como norte a adaptação aos tempos e a evolução constante. Esta maneira de pensar e agir difere de diversas ordens, organizações e grupos que lidam com magia, frequentemente focados em seus modelos idealizados e desinteressados em mudanças e adaptações. Para que esta atitude progressista não seja apenas discurso, mas também práxis, é preciso ter uma estrutura organizacional que possibilite mudanças e a coragem de fazer a coisa certa em momentos difíceis.
Um exemplo notório desta postura em ação pode ser encontrado no episódio publicamente conhecido como “Ice Magick Wars”. Nesta ocasião, no começo dos anos 1990, o Pacto Mágico dos Iluminados de Thanateros passou por um grande cisma, desvinculando-se de um considerável contingente de membros. Foi uma forma de evitar que a organização se contaminasse por dogmatismo e autoritarismo, além de toques de doutrinas ultranacionalistas, racistas e fascistas. O resultado foi um Pacto menor, porém mais forte e livre de influências consideradas indesejáveis por aqueles que nele permaneceram.
As “Ice Magick Wars” não foram, no entanto, a única vez em que o Pacto tomou ações duras e optou pelo progresso, ainda que tenha sido necessário romper com o status quo. Na verdade, toda sua estrutura organizacional (descrita em detalhes em “O Livro”) é pensada de forma a propiciar um alto potencial de rebelião. Críticas sempre devem fluir da base para o topo da pirâmide, interesses individuais nunca devem prevalecer sobre os coletivos, equívocos nunca devem ser respondidos com silêncio, posições de poder devem ser alternadas com regularidade, e amor a passados utópicos nunca deve ter precedência sobre o progresso. Uma ordem aversa à ordem. Ao longo das décadas, munido desta visão e destes mecanismos metamórficos, o Pacto se transformou e evoluiu inúmeras vezes. Membros entram, membros saem. Figuras de liderança fazem suas contribuições, transformam a organização segundo seu melhor julgamento e sob pesado escrutínio, e dão lugar à próxima geração. Mundialmente, o Pacto de hoje é muito diferente – e melhor – do que fora uma, duas, três ou quatro décadas atrás. Foi assim, escolhendo não parar no tempo, que a IOT de hoje se tornou ainda mais relevante para o cenário da magia do que fora no século passado.
A história do Pacto Mágico dos Iluminados de Thanateros na América do Sul exemplifica bem como esta evolução constante funciona para além do discurso. Por enquanto, é uma história em três atos, contados resumidamente a seguir.
No primeiro ato, ainda não existia formalmente uma Seção Sul-Americana. No começo dos anos 1990, um praticante brasileiro se interessou pela magia praticada na IOT e começou a se corresponder com membros de outros países. Logo foi convidado a se iniciar como Neófito. Ao lado de outras pessoas que vieram a se iniciar na mesma época, frequentou encontros de outras Seções (notadamente a Norte-Americana) e conheceu a cultura e a forma de funcionamento do Pacto da época. Em pouco tempo obteve os graus necessários para exercer funções de liderança. A Seção Sul-Americana passou a ser independente, e este membro tornou-se seu “Section Head”, o líder da Seção.
O ato mais longo desta história é o segundo. Foi, no primeiro momento, um período de expansão e estabilização. Nos anos que sucederam sua independência, a nova Seção da IOT iniciou membros (tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina), estabeleceu templos em diversas localidades, sediou duas AGMs (encontros internacionais anuais da IOT), e o mais importante: fomentou o desenvolvimento e a prática de magia de qualidade. Como é natural em qualquer empreendimento desta natureza, o período também foi marcado pela saída de membros e encerramento de templos, de forma que o crescimento nunca foi exponencial, e a estrutura e o porte da Seção se mantiveram estáveis.
Embora estabilidade normalmente seja positiva e desejável, esta é uma característica que, em excesso, se torna danosa. A Seção Sul-Americana, mais geograficamente isolada do que as demais, acabou parando no tempo. A vivência cada vez mais frequente de diversos membros com outras Seções, através de participações em AGMs e relações pessoais, deixou claro que havia novas ideias e perspectivas sobre o funcionamento do Pacto ao redor do mundo. Havia um claro conflito de gerações entre as ideias dos membros da velha guarda e as dos membros mais recentes e mais expostos ao Pacto internacional. Neste cenário, a Seção permanecia imutável, e era impossível negar tal estagnação. Como é típico das relações humanas, o peso dos egos também foi um fator na forma como a Seção foi conduzida durante este período. O coletivo não tinha primazia e o pluralismo não tinha o espaço de que necessitava. O segundo ato se encerra com uma Seção muito distante do ideal almejado de ser uma ordem contrária à ordem. Quase duas décadas se passaram sob uma mesma liderança, repetindo os mesmos erros, e estava claro para todos que a mudança era iminente e imprescindível.
O mais recente ato, o terceiro, se inicia em 2019, e é marcado por transformações. Em um ambiente de insatisfação generalizada – tanto das lideranças da Seção quanto dos membros que a elas se opunham – foi elaborado um grande e poderoso ritual aberto a todos os membros da Seção com o objetivo de purgar aqueles que não estivessem aptos a contribuir para a egrégora. Uma grande aposta de ambas as partes como resposta ao conflito geracional que se estabelecera; uma aposta que seria decidida pela magia e que teria um único vencedor possível: o Pacto.
A potência e resiliência da egrégora do Pacto, provadas inúmeras vezes ao longo das décadas, voltam então a se manifestar na reificação deste ritual de purgação. Resultado ou não do ritual, o fato é que os meses seguintes foram marcados pela saída de diversos membros de todas as gerações. Por fim, o antigo Section Head foi forçado pelo Concílio dos Magos a abdicar da liderança ou deixar o Pacto. Incapaz de aceitar a ausência de seu domínio, ele então deixa de ser um membro.
Depois de tantos anos, houve finalmente alternância de poder. Os mecanismos que garantem a pluralidade e a capacidade de insubordinação foram implantados na prática. Novos membros foram iniciados, trazendo sangue novo para a Seção e tornando-a mais internacional do que nunca. Membros e templos passaram a ter maior independência. A diversidade de membros, práticas e ideias passou a ser estimulada, e não evitada. O ritual de renovação funcionou. Os inaptos realmente deixaram a organização, e a Seção finalmente voltou a refletir os ideais originais do Pacto.
Este é o momento mais vibrante de nossa Seção. Nunca fomos tão diversos, abertos às mudanças e abundantes em criatividade mágica. Contudo, é certo que nossos melhores dias ainda estão em nosso futuro, e que os próximos atos serão escritos pelas gerações vindouras.
Frater WM – Section Head